Alberto Nájar
A enfermeira chegou à cama de hospital onde convalescia Patricia Méndez Manuel e se aproximou de seu rosto com um pequeno volume nas mãos. Eram os restos de um feto humano. "Beije-o, peça perdão!", a enfermeira lhe disse. "Você o matou!"
A estudante de 19 anos estava em choque. Horas antes, havia sofrido um aborto espontâneo em um hospital de Veracruz, sudeste do México.
Ela jura que sequer sabia que estava grávida. Três meses antes, havia sido diagnosticada com gastrite. E, durante um mês, tomou medicamentos para tratar o estômago, até descobrir que as dores que sentia eram por conta da gravidez.
Em março de 2015, ela voltou ao hospital, agora com fortes dores abdominais - que na verdade eram decorrentes do processo abortivo. Patricia diz que não recebeu atendimento médico enquanto sentia as dores.
"Eu havia acabado de descobrir que estava grávida. (...) Expeli (o feto) sozinha, sem anestesia, até que me encostaram em uma maca rodeada de enfermeiras e uma ginecologista", conta Patricia à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC.
"Começaram a me fazer perguntas, pressionar. Eu lhes dizia que me sentia muito mal, que estava tendo um aborto, mas não me deram atenção. (...) Depois me anestesiaram."
Ao acordar, o pesadelo se tornou pior. "As enfermeiras começaram a dizer que eu havia matado meu filho, mas não entendia o que estava acontecendo. Uma delas me mandou assinar um papel. Disse que não sabia o que era. Ela agarrou a minha mão e me obrigou."
Patricia foi denunciada pelo hospital ao Ministério Público de Veracruz, acusada de aborto induzido, crime grave pelo Código Penal do Estado.
Questionada pela BBC Mundo, a equipe do hospital enviou comunicado dizendo que o caso está sendo investigado internamente "para que sejam apuradas as responsabilidades". Também disse ter "convidado a sra. Patricia para apresentar sua queixa nas instâncias internas" da instituição.
'Pecadora'
Patricia foi processada judicialmente, e seu caso corre na Suprema Corte do país. Ela abandonou Veracruz depois de ser insultada na escola que frequentava. "Todo mundo dizia que eu havia abortado, que era uma pecadora", conta.
"Diziam isso para mim na rua também. Corria para casa para chorar, sentia-me muito mal, culpada. Fizeram-me acreditar que eu havia matado (o bebê). Dói muito."
Casos semelhantes se repetem em outras partes do México, onde cerca de 700 mulheres estão cumprindo sentenças por homicídio mas cujo "crime", na maioria das vezes, foi ter sofrido abortos espontâneos, segundo uma ONG. A pena máxima para essas mulheres é de 50 anos. A Cidade do México é o único lugar onde abortos podem ser praticados legalmente no país.
Susana Duenas Rocha também diz que não sabia que estava gravida quando, aos 19 anos de idade, sentiu-se mal e foi para uma clínica em Guanajato, na região central do México. Na clínica, lhe disseram que ela estava tendo um aborto.
"Senti apenas que alguma coisa tinha saído de mim", contou Susana à BBC. "Eles (a equipe da clínica) disseram que iam me denunciar por ter matado o bebê, mas eu não tinha feito isso."
Condenada por homicídio
Susana foi presa e acusada de "matar um parente". Em 2004, foi sentenciada a 25 anos de prisão. Segundo a ONG Las Libres, houve várias irregularidades no seu julgamento.
"Trouxeram um crucifixo e me disseram: 'Aqui, em frente a ele (Jesus), jure que teve um bebê", ela contou.
A jovem foi então pressionada a assinar uma folha em branco. O documento foi apresentado durante o julgamento, contendo a suposta confissão do "crime". No texto, Susana dizia ter dado fim à gravidez por "raiva".
Ela passou seis anos presa, até a ONG provar que não havido ocorrido um homicídio, mas um aborto natural. Hoje, ela está em liberdade.
Criminalizando o aborto
O tema do aborto desperta ferozes debates no México, segundo país com maior número de católicos do mundo, superado apenas pelo Brasil.
Casos como os de Patrcia e Susana vêm se repetindo em muitas partes do México. Segundo ONGs, há no momento pelo menos 623 processos jurídicos em andamento por causa de abortos.
E calcula-se que 700 mulheres mexicanas estejam hoje cumprindo sentenças por homicício, embora, na realidade, tenham se submetido a abortos ou sofrido abortos espontâneos.
"Mais de 70% dessas mulheres sofreram abortos espontâneos, mas foram acusadas de matar um parente", disse à BBC a diretora da ONG Las Libres, Veronica Cruz. Matar um parente é um crime que implica sentenças mais pesadas, explicou ela.
Algumas das mulheres presas receberam a sentença máxima, 50 anos. O crime de aborto é punido com uma sentença menor, entre cinco e oito anos, ou liberdade mediante pagamento de fiança.
Estigma
Veronica Cruz diz que, desde 2009, mulheres que têm abortos vêm sendo criminalizadas no México, quaisquer que sejam os motivos.
Naquele ano, 16 das 36 legislaturas estaduais do país modificaram suas constituições para estabelecer que a vida humana deve ser protegida desde o momento da concepção. Isso ocorreu depois de a Cidade do México ter descriminalizado o aborto até as 12 primeiras semanas de gestação.
As mudanças constitucionais nos outros Estados tiveram como objetivo "bloquear a possibilidade de que o aborto fosse descriminalizado no resto do país", disse Cruz.
Mas além de julgadas e presas, as mulheres acusadas de cometer aborto também são estigmatizadas socialmente.
"(Na prisão) disseram que eu era uma assassina, que tinha matado meu próprio filho - e que nem cachorros fazem isso", disse Susana que, mesmo depois de solta, não ficou livre das perseguições.
"As pessoas apontavam para mim e diziam grosserias. Tivemos de nos mudar."
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