Júlia Dias Carneiro
O terreno de Romildo Ramos era "um sítio completo", com árvores frutíferas, água potável e uma casa construída com o esforço de muitos anos no Loteamento São Francisco, em Camaragibe, na região metropolitana do Recife. Até que a Copa de 2014 surgiu no horizonte, provocando uma série de desapropriações para abrir caminho para a Arena Pernambuco, um dos 12 estádios do mundial.
"A gente tinha o nosso canto, o nosso lar, era feliz", diz Paula Santos, 41 anos, nora de seu Ramos. "Desmoronou tudo. Para quê foi feita a Copa? Para tirar as famílias do lugar?"
Seu Ramos morreu pouco tempo depois da Copa terminar, no fim de julho de 2014. Sua casa havia sido demolida, e ele estava endividado após construir um cômodo às pressas na parte do terreno que lhe restou, após ter metade de seu lote desapropriado. "Ele estava sufocado. Tinha problema de coração e morreu de infarto. Não aguentou a pressão", lamenta ela.
Quatro anos depois da Copa, Paula só consegue sentir repúdio ao olhar para o estádio construído perto de sua casa pela Odebrecht, ao custo de R$ 532 milhões, palco para cinco jogos durante o mundial.
"Aquilo tirou nosso sonho, nossa estabilidade. Nossa perspectiva de viver em um lugar seguro. Hoje moramos no Ramal da Copa, com o terreno aberto para a pista, com carros passando, sem segurança, sem vizinhos. É muito descaso", diz.
Os dramas de moradores que sofreram desapropriações nos preparativos para a Copa do Mundo de 2014 se repetiram em outras cidades-sede no Brasil, nas quais milhares de remoções foram conduzidas também para abrir espaço para projetos de infraestrutura para o megaevento, como corredores expressos para BRTs (sistema de ônibus rápido) e alargamento de vias.
Somente no Rio de Janeiro, de acordo com cálculos do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas da cidade, mais de 22 mil famílias passaram por remoções ou desapropriações entre 2009 e 2015 – em processos relacionados tanto ao mundial de futebol quanto aos Jogos Rio 2016.
Um deles foi Jorge Santos, de 57 anos, último morador a sair da Vila Recreio 2, comunidade de 183 famílias no Recreio dos Bandeirantes, desapropriada para a construção do BRT Transoeste.