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domingo, 5 de agosto de 2018

O FUTURO DE JUAZEIRO DO NORTE-CE ERA INCERTO APÓS A MORTE DE PE.CÍCERO.

Analistas e estudiosos divergiam sobre o futuro de Juazeiro após o falecimento do Padim: acertou quem apostou no seu carisma

Fonte:DN/Regional

A estátua do religioso no Horto é um dos principais pontos de visitação de Juazeiro ( Fotos: Antonio Rodrigues )
 por Antonio Rodrigues - Colaborador
No Largo do Socorro está a estátua do Padre Cícero feita pelo escultor italiano Agostinho Balmes Odísio. Por muitos anos, foi o principal objeto de turismo e culto de Juazeiro do Norte
Juazeiro do Norte. Todo dia 20 de cada mês, este Município, no Cariri cearense, veste preto para lembrar a morte do seu fundador: Padre Cícero Romão Batista. A celebração se intensifica, como há pouco mais de duas semanas, no dia 20 de julho, data exata da "viagem" do "padrinho" - já que os romeiros acreditam que ele não morreu. Se hoje são estimadas mais de 270 mil pessoas no pequeno território de 248 km², há 84 anos, pairava uma dúvida na imprensa nacional e entre intelectuais, devotos e romeiros: com a morte do santo popular, a cidade conseguiria ainda existir?
No dia 18 de julho de 1934, o médico Belém de Figueiredo prestou os primeiros cuidados ao Padre Cícero, acometido de uma crise intestinal. No dia seguinte, o quadro de saúde do pároco agravou, sendo diagnosticado obstrução intestinal, agravada por insuficiência cardiorrenal. Na sexta-feira, dia 20, o sacerdote não resistiu e morreu aos 90 anos no leito de sua residência, na Rua São José, hoje instalada a Casa Museu Padre Cícero.

"É que muitas pessoas o julgam santo e não acreditam na sua morte. Aqui era grande o numero dos que mantinham essa convicção e que se aproximavam do corpo, para vê-lo muito de perto, verificando então o fato consumado. Dos que assim pensavam, alguns têm enlouquecido diante da realidade", narrou um correspondente do periódico "A Noite", do Rio de Janeiro. De fato, alguns devotos acreditavam que, como era santo, Padre Cícero era imortal.
No entanto, segundo a historiadora Amanda Teixeira, que pesquisou Juazeiro do Norte entre 1934 a 1969, a morte do Padre Cícero foi narrada de maneiras distintas por vários jornais brasileiros. "Eram representações distintas, de sujeitos distintos e com interesses distintos", afirma. Nos jornais do Sudeste, imaginavam que o "fanatismo" intensificaria, outros narram pessoas que enlouqueceram e desmaiavam como se a morte do sacerdote fosse o fim do mundo.
"Sabbado ultimo, uma mulher, cujo nome a reportagem não conseguiu identificar, ateou fogo às vestes, utilizando-se de kerozene, para pôr termo à existência. Dizem que o gesto da tresloucada se prende à morte do Padre Cicero. Houve quem a ouvisse dizer que não queria viver sem o padre na terra. A capella do Perpetuo não comporta o numero de visitantes, que é ininterruptamente considerável", impressionou os leitores no dia 3 de agosto de 1934 o jornal carioca "A Noite".
Nos jornais do Nordeste, ao contrário, havia uma tentativa de parecer que Juazeiro era, de fato, civilizada. Há descrições minuciosas nos periódicos locais falando quais autoridades estavam presentes no velório ou enviou representantes, que correu em ordem e que a Polícia esteve presente, mas não precisou conter ninguém. E passado o cortejo fúnebre, que estima-se ter reunido 40 mil pessoas, começou a se especular: o que aconteceria com a cidade fundada pelo Padre Cícero?
Tristeza
Amanda Teixeira conta que as classes populares de devotos, romeiros e beatos viam Juazeiro sem o Padre Cícero como um lugar de tristeza e abandono, porque o "Padrinho" era um guia espiritual e que também prestava auxílio financeiro, enviando pessoas para o trabalho, conduzindo a vida material. Ou seja, sua morte já era esperada com certo temor. Já entre os intelectuais, as expectativas eram completamente diferentes. Havia aqueles que temiam o cangaço na cidade, que as pessoas ficassem enlouquecidas e o Município cheio de "malucos".
Outra tese muito forte é a que o Município de Juazeiro estava predestinado a se extinguir pelo esvaziamento. "Já que Padre Cícero morreu, as pessoas não têm porque continuar na cidade. Se elas vinham para conhecê-lo, viver perto, buscar conselhos, auxílios, quando ele morresse, a cidade ia se esvaziar, teria uma mão de obra parca, o comércio retraído", explica Amanda. As ideias eugenistas também eram muito fortes naquele período: diziam que a população local - a maioria de negros e mestiças - já trazia na sua raça a degeneração, doença e loucura.
Na perspectiva mais otimistas, alguns intelectuais acreditavam que a morte do sacerdote iria acabar com o fanatismo e que Juazeiro do Norte, finalmente, iria entrar nos rumos do progresso, da modernidade, "ia passar a fazer parte do tempo da nação", descreve Amanda. Isso acontecia porque as pessoas "letradas" viam a cidade como um lugar atrasado, que seria esquecida e se tornaria uma cidade qualquer. Isso não aconteceu.
A frequência de visitantes após a morte do Padre Cícero é vista com certa surpresa, principalmente, os fenômenos das romarias. A de Finados, hoje a mais popular, começa a existir após a morte do santo popular e vai crescendo a cada ano. De certa forma, o romeiro começa a enxergar uma "aura santa" sobre a cidade. "Então, já não vem mais visitar a casa onde ele vivia, mas a casa onde ele morou, morreu", ressalta Amanda. Daí surgem alguns costumes como passar por baixo da cama do sacerdote, visitar o túmulo na Capela do Socorro, onde ele está sepultado. "A cidade é considerada santa. Não só pela presença, mas pela ausência que também é presença", completa.
O temor que a cidade se estagnasse após a morte de seu fundador existia no próprio Padre Cícero. Em seu testamento, ele pede que as pessoas permaneçam em Juazeiro do Norte, trabalhando, construindo seus negócios e suas famílias. "Juazeiro não era só feita de devotos, romeiros, ela era feita de comerciantes, pequenos industriais. As pessoas tinham suas manufaturas, fabricavam diversos materiais. Elas tinham sua vida estabelecida já. Não tinha o porquê de retornarem para suas cidades, já havia partido os elos", acredita.
Juazeiro tinha um comércio ativo, manufaturas, produzia grande parte dos objetos que consumia (couro, corda, barro, flandre) e vendia para pessoas de fora. Esta prática existe até hoje, quando vários romeiros, além de vir à cidade por devoção, levam panelas de alumínio feitas da Terra do Padre Cícero.
"Apesar de pensar que o centro da cidade era o Padre Cícero, ele fez de tudo para ela ficar estabelecida, até mesmo após sua morte. Que não fossem dependentes", completa a historiadora. Dados do próprio IBGE mostram que, entre as décadas de 1920 e 1940, depois da agricultura, a atividade mais praticada não era o comércio, mas a manufatura - as indústrias de transformação. Ou seja, "em cada casa uma oficina", como pedia o sacerdote.
Como uma cidade formada por romeiros ou filho deles, o Padre Cícero pedia que cada visitante que chegasse ao Município buscasse uma ocupação. Em cartas, muitas vezes, aconselhava a vir ou não para Juazeiro do Norte. No caso de José Pedro da Silva, 69, nascido em Juazeiro, seus pais vieram de Arapiraca (AL). Na "terra santa", o patriarca trabalhou de ourives, profissão que também exerceu, polindo peças de ouro por muitos anos. "Todo mundo vinha pra cá. Aqui era só pedra e barro. O desenvolvimento daqui foi do Padre Cícero e do povo. Nunca vou sair daqui, só morto para o cemitério", garante o aposentado.
Visita
A comerciante Severina Espírito Santo da Silva visitou Juazeiro pela primeira vez aos seis anos de idade, trazida pelos pais de Cuitegi (PB), junto com quarto irmãos. Logo, se apaixonou e viu em Juazeiro do Norte uma oportunidade de sair do trabalho duro na roça, produzindo carvão. Há 15 anos, decidiu largar as terras paraibanas e vender pequenos artigos religiosos como "peneirista" na Colina do Horto. "A gente vive disso aqui. No inverno põe o roçado para comer verde. Morar aqui foi melhor, porque lá o trabalho era pesado. Isso aqui é maneiro para nós. Aqui é bom demais. Tenho fé em Deus que nunca voltarei. Vou ficar aqui mesmo", garante.
Em 1925, foi inaugurada primeira escultura do fundador de Juazeiro do Norte, feita de bronze, erguida no centro da praça Almirante Alexandrino - atual Praça Padre Cícero. A obra foi encomendada por Floro Bartolomeu a Laurindo Ramos, escultor do Rio de Janeiro. Foi um grande investimento. A ideia do médico, homem de confiança do sacerdote, era destruir os discursos de cidade atrasada e fanática, querendo transmitir a imagem de cidade de progresso. "Era um marco cívico", explica Amanda. Inclusive, na época, as ruas ao redor eram retas, largas e existia até uma legislação que impedia que casas de palha fossem construídas naquela região.
Político
Muitos juazeirenses e visitantes que passam pela estátua de bronze sequer reconhecem o Padre Cícero, porque, de certa forma, é uma imagem do sacerdote "estadista", coberto com uma toga romana, debaixo do sol, sem proteção. Representa o homem político que ele foi. Por isso, ela não é tão cultuada como a estátua feita entre 1934 e 1940 que está erguida no Largo da Capela do Socorro. Ela foi criada pelo escultor italiano Agostinho Balmes Odísio, que morava em Belo Horizonte e decidiu se mudar para Juazeiro do Norte após a morte do santo popular.
Não se sabe quem encomendou e quando foi inaugurada a estátua no Largo do Socorro. Nenhum jornal do País registra este momento. Até as datas são imprecisas, já que a placa conta que foi erguida em 1940, mas o prefeito citado não é o mesmo daquele período. "A gente acredita que ela nasceu da devoção popular mesmo", explica Amanda.
Inaugurada em 1º de novembro de 1969, o monumento de 27 metros no Horto Municipal foi construído a partir de uma demanda popular. O equipamento acabou se tornando, ao mesmo tempo, atração turística e motivo de devoção. Assim como tem gente que visita para tirar fotos e contemplar a paisagem, também há forte religiosidade e ritos, como a passagem pelo cajado, fitinhas amarradas e promessas. "As pessoas ressignificam tudo, por mais modernas que sejam. A fé é dinâmica. Vão construindo com os espaços e coisas, fugindo da racionalidade, de qualquer teoria. Elas surpreendem a gente o tempo todo", conclui a pesquisadora.

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