Músicos cearenses optam por lançar seus discos em vinil, e ainda apreciam o formato como ouvintes
por Felipe Gurgel - Repórter/via caderno 3
Mais do que por um "fetiche", os artistas independentes têm se interessado pelo lançamento em vinil (LP) por conta de uma relação afetiva com o suporte, como ouvintes. Ainda que o custo de fabricação e o preço final dos vinis (para o consumidor) não sejam tão acessíveis (valores variam de R$ 60 em diante), o formato volta a figurar nas prateleiras como uma saída, dentre os artistas, para valorizar mais suas próprias obras.
"Você tira do bolso uma bolada pra mandar pra fábrica e esse dinheiro nunca vai voltar de uma vez. Então, acho bem mais saudável encarar como um investimento em si mesmo. Acredito que a coisa deva partir do artista: em que formato você gostaria de ver sua obra?", questiona o guitarrista Vitor Colares (seu primeiro disco solo, "Saboteur", 2012, também foi lançado em vinil).
"Sim, o vinil é mais caro. Porém, também dura mais, tem a coisa do tamanho da capa e encarte que te proporciona outra experiência quando com esse material em mãos", complementa Vitor.
Além de exaltarem a qualidade do áudio (mais refinada em relação ao CD e ao digital), os artistas colocam que existem algumas saídas para baratear o custo de produção dos vinis.
"Esse custo é realmente mais elevado, se comparado ao do CD. (Mas) adotei uma estratégia que barateou bastante: prensei apenas o vinil na fábrica, e fiz toda a parte gráfica aqui em Fortaleza", detalha Oscar Arruda. O músico cearense lançou "Egomaquia", seu segundo disco, em vinil.
Ele avalia que, do ponto de vista financeiro, hoje o vinil dá mais retorno para os artistas independentes do que o CD. "Hoje é difícil vender um CD. A mídia se tornou um item promocional, quase um cartão de visita. O vinil tem maior valor e que as pessoas em geral reconhecem", acrescenta Oscar.
Segundo o guitarrista Régis Damasceno, a experiência do Cidadão Instigado (formação ao lado do compositor Fernando Catatau) com os vinis surgiu quando, às vésperas da banda completar 20 anos de carreira (em 2017), o selo EAEO Records (SP) convidou o grupo a lançar toda sua discografia no formato. Apreciadores de vinis, os músicos da banda já tinham o desejo de realizar esse projeto, antes de receberem o convite.
A caixa comemorativa (vendida a R$ 715 pelo site do selo) reúne três vinis, um vinil duplo e uma fita K7, revisando toda a discografia do Cidadão. Régis conta que cada vinil separado "vende bastante em shows, sempre tem gente procurando e comprando. É um vinil importado, prensado na Inglaterra, com material gráfico muito bom", observa ele.
Complementares
Para Carlos James, vocalista e baixista do Facada (trio de grindcore), disponibilizar um disco em vinil tem relação com oferecer, aos ouvintes, diversas maneiras de se escutar a banda. "Acho que nenhuma mídia anula a outra. Qualquer jeito de ouvir música é válido e muita gente, que compra o CD, compra também o vinil", destaca.
O músico enfatiza, ainda, que a mídia física tem se tornado item de colecionador, sem necessariamente o consumidor ouvir a música. "E a gente (do Facada) não espera o retorno financeiro disso, apenas curtimos que cada pessoa possa escolher a forma como quer escutar nossa música", detalha ele. O Facada lançou, até então, quatro discos em vinil: "Demo", "Nadir", "Nenhum puto de atitude" e "Quebrante" - todos com uma tiragem média de 300 cópias.
Motivação
O músico Oscar Arruda pensa em relançar seu primeiro disco, "Revolução", em vinil. Ele conta que ouvir música no formato sempre foi de sua predileção, como ouvinte. Seu pai era colecionador e ele herdou a coleção.
"Escuto vinil diariamente em casa e tenho o hábito de comprar (também). Quando não estou em casa, uso o meu celular e os serviços de streaming", situa. O vinil de "Egomaquia" saiu numa tiragem de 300 cópias. Neste sábado (23), ele se apresentará na loja Oito Polegadas (Praia de Iracema, especializada no formato), e o LP estará à venda no local.
Vitor Colares recapitula que, no dia do lançamento do vinil de "Saboteur" (há dois anos), 60 cópias, de uma tiragem de 300, foram vendidas. "Outros tantos já foram vendidos de lá pra cá, e agora devo ter uns 100 ainda. Uma parte está na loja Oito Polegadas. Só tem lá ou comigo", detalha o artista.
Ele pretende lançar outros discos no formato. O próximo, adianta, será um álbum ainda inédito. "Alguns discos que eu sempre escutei em CD foram redescobertos quando ouvi em vinil. A espacialidade do som projetado é diferente (no digital, o volume me parece ter mais a ver com altura do som, e não com volume em si)", analisa.
Arrependimento
Régis Damasceno recorda que, na década de 1990, "quando todo mundo começou a comprar CD, eu fiz a mesma coisa, mas me arrependi depois. No início dos anos 2000, comecei a comprar tudo só em vinil", situa o guitarrista.
Ele conta que tem o hábito de ouvir música em vinil todo dia. "Acordo, vou fazer meu café e ponho um disco. O som é muito bom, tem a arte. Ouço as plataformas digitais, mas pra ter uma relação íntima, prefiro comprar um disco (em LP), mesmo que seja de um artista novo", observa Régis.
Ainda sobre apreciar a música em CD ou vinil, James lembra como já trocou "muitos discos de vinil, por CD, e me arrependo amargamente. Hoje em dia compro apenas os clássicos. Discos que sempre escutei e que nunca deixarei de ouvir; de bandas de amigos e discos que marcaram minha vida de uma forma ou de outra", diz o baixista do Facada.
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