Cantor diz que novo disco, ‘De Bem Com a Vida’, é “mais para ouvir do que para sambar” e lamenta a atual situação da MPB. “Só tem música para levantar o braço e tirar o pé do chão”
Rio - Sim, Martinho da Vila é um cara de bem com a vida — é o nome de seu primeiro disco de inéditas em nove anos, ‘De Bem Com a Vida’. E a frase condiz com sua história de autor conhecido pelos versos “canta, canta, minha gente/deixa a tristeza pra lá”. O sambista só deixa a amargura entrar quando liga o rádio e dá uma checada na atual situação da música brasileira.
“Hoje só tem música de pula-pula, né? Para levantar o braço, tirar o pé do chão... Com esse disco, tô dando um recado para as pessoas, de que hoje só tem música para pular. Não tem música para ouvir, para prestar atenção nas poesias”, reclama o cantor. “Faltam boas letras, melodias ricas. Tá tudo a jato, a poesia é como uma conversa rápida”, brinca o cantor de ‘Devagar, Devagarinho’ (que é a sua cara, mas foi feita por Eraldo Divagar). “Eu falo que meu disco novo é mais pra ouvir do que para sambar. Mas dá para dançar também”.
A atual situação do Brasil também não vem deixando Martinho muito feliz. Mas mantém a esperança. Diz que, se as dificuldades do país lhe inspirarem uma música, ela vai ser muito para cima. “Vai ser um pouco demorado, mas o Brasil sai dessa”, vibra o cantor, torcendo o nariz para o afastamento da presidente Dilma Rousseff.
“Isso foi um absurdo total. O que a gente precisa no Brasil é de políticos honestos. Ela é honesta, não roubou, não cometeu crime”, posiciona-se Martinho, que em 1986 lançou um livro infanto-juventil chamado ‘Vamos Brincar de Política?’, hoje esgotado. “Já pensei em relançá-lo. Mas ele saiu na época da Assembleia Constituinte, teria que atualizar o texto todo”.
‘De Bem Com a Vida’ quase foi um disco apenas de voz, violão e cavaquinho. Martinho incluiu percussões e convidados, mas não deixou o esquema minimalista de lado, convocando apenas o trio Gabriel de Aquino (violão), Allan Monteiro (cavaco e bandolim) e Gabriel Policarpo (percussão) como núcleo duro. Uma parceria fundamental foi com André Midani. O lançador de nomes como Gilberto Gil e Caetano Veloso é amigo há vários anos de Martinho, mas a união foi consolidada após o sambista, ano passado, assistir ao show de Alcione cantando músicas em francês no projeto ‘Inusitado’, dirigido por Midani.
“Falei para ele: ‘mas que legal...’ E ele já respondeu: ‘Podemos conversar!’”, brinca Martinho, que logo depois fez um show no ‘Inusitado’ (só com voz e algumas percussões) e amarrou o conceito do disco novo, cheio de parcerias. O sambista compôs com Geraldo Carneiro em ‘Escuta, Cavaquinho!’ (cuja letra reproduz o diálogo entre um violão e um cavaquinho), com Zé Catimba em ‘Danadinho Danado’, com Ivan Lins em ‘Saravá!’, com o baixista Arthur Maia em ‘Do Além’, com Francis e Olivia Hime em ‘Daqui, De Lá e de Acolá’.
Martinho também convidou Jorge Mautner (“somos amigos há anos”, diz) para tocar violino numa parceria sua com João Donato, ‘Muita Luz’ — com o próprio Donato nos teclados. O rapper Criolo está em ‘De Bem Com a Vida’ e ‘Alegria, Alegria Minha Gente’, que compôs para a filha Alegria, hoje com 16 anos.
“O Midani me botou para fazer essa música. Disse a ele que tinha feito música para todos os meus filhos, menos ela. Eu ficava enrolando...”, brinca Martinho, que já homenageara a menina no título do CD ‘O Pai da Alegria’ (1999). Recentemente, interrompeu uma viagem que fez com a caçula para Miami por causa de um convite irrecusável: cantar no encerramento da Olimpíada Rio 2016.
“A Rosa Magalhães (carnavalesca e roterista do encerramento), minha parceira de enredo na Vila Isabel, me chamou porque queria prestar homenagem à Vila, comigo cantando. Disse que não podia ir, porque já estava com passagem comprada, mas voltei uns dias antes”, conta Martinho, confessando que até ser convidado “nem estava a fim de Olimpíada”. “Moro na Barra da Tijuca, a Cidade Olímpica é aqui próxima de casa. No início do ano, tava uma confusão enorme por lá, gente furando túnel, uma coisa perturbadora. Acho que isso aqui ainda vai ficar um inferno por algum tempo”, reclama o cantor que, nos dias 7 e 8 de outubro, não tem jeito: cruza o Túnel Zuzu Angel (ou qualquer outro caminho menos congestionado) e vai até o Theatro Net, em Copacabana, lançar o novo CD.
Criolo maravilhado
Martinho se amarrou em fazer som com Criolo, que ele não conhecia. Como algumas músicas novas tinham versos falados, o filho do cantor, Preto Ferreira — que auxiliou Midani na produção de ‘De Bem Com a Vida’ — sugeriu seu nome.
“O Criolo, quando chegou no estúdio, ficou maravilhado. Falou que sua família era toda de fãs meus. Vai ficar para sempre na minha lembrança”, festeja Martinho, sempre aberto a novas parcerias e novos nomes em seus discos. E, claro, sempre recebendo músicas inéditas para colocar letras, e novas letras para colocar música. “Recebo muita coisa mas, às vezes, demoro para trabalhar em cima. Sou devagar, né?”, brinca.
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