Toni, no entanto, exausto pelo trabalho, adormeceu por alguns minutos e os biscoitos queimaram.
O jovem cozinheiro, com medo da reação do chef e dos convidados ansiosos pela sobremesa, decide, então, sacrificar a massa de fermento que havia guardado para o pão de Natal.
Ele mistura farinha, ovos, açúcar, passas e frutas cristalizadas, até obter uma massa macia e muito fermentada, que assa e serve no banquete.
O resultado é um sucesso retumbante e Ludovico Sforza decide chamar esse doce "pão Toni", em homenagem ao seu criador.
Então, ao longo dos anos, o "pão Toni" se tornou popular em toda a Itália com o nome "panetone".
Mas qual é o fundo de verdade dessa lenda?
"Absolutamente nenhum", diz Massimo Montanari, professor de história da Alimentação na Universidade de Bolonha, na Itália.
"Esta é uma das muitas notícias falsas que circulam em torno da origem de muitos produtos gastronômicos".
A origem medieval dos "pães natalinos"
Segundo Montanari, devemos distinguir entre duas categorias: produtos que têm uma data exata de nascimento e um inventor claro; e aqueles que não têm.
Na primeira categoria, por exemplo, está o "pandoro" (que no dialeto veneziano significa "folha de ouro"), cuja receita foi registrada no escritório de patentes em 1894 pelo padeiro de Verona Domenico Melegatti.
Mas o panetone é uma receita de tradição coletiva e, portanto, não se pode determinar com precisão absoluta seu lugar e data de nascimento.
No entanto, explica Montanari, é possível reconstruir a árvore genealógica do panetone e rastrear seus ancestrais medievais: os "pães doces" ou "pães de festas", ou seja, pães com adição de açúcar, passas ou especiarias e consumidos em festividades importantes, como o Natal.
Um dos primeiros documentos que comprovam a existência desses pães doces é um manuscrito preservado na Biblioteca Ambrosiana de Milão, que remonta à década de 1470.
Seu autor, Giorgio Valagussa, que era o preceptor dos duques Sforza, descreve o que ele chama de "Ritual da Madeira", realizado naquela corte.
Segundo o texto de Valagussa, na noite de 24 de dezembro, uma grande tora de madeira foi colocada na lareira e grandes pães açucarados foram servidos.
O chefe da família serviu uma parte para todos os convidados, mantendo uma para o ano seguinte como um sinal de continuidade.
"Por um lado, havia um elemento de conexão com o produto básico da comida diária, pão; por outro, ingredientes e especiarias que o tornavam 'precioso', de acordo com o gosto dos tempos medievais ou do Renascimento", acrescenta Monatanari, autor de vários livros sobre a origem de pratos emblemáticos da culinária italiana.
E, embora a relação entre o panetone e a cidade de Milão seja inegável, não se pode dizer que seja exclusiva — pois também existem registros alfandegários semelhantes em outras partes do norte da Itália.
Mas é no início do século 20 que o consumo de panetone durante as festas se tornou popular em todo o país europeu, graças também às inovações introduzidas por Angelo Motta, o dono de uma padaria em Milão.
Em 1919, Motta decidiu adicionar levedura à receita tradicional, embrulhando a massa em um papel manteiga especial. Com isso, ela ganhou uma forma abobadada, e não mais achatada.
A receita de Motta foi adaptada por volta de 1925 por outro padeiro, Gioacchino Alemagna, que também deu seu nome a uma marca popular até hoje.
A dura competição entre os dois padeiros representou o início da produção industrial do panetone, que ao longo dos anos foi imposta como um dos itens mais presentes nas mesas dos italianos.
Desembarque na América do Sul
Em 2018, quase 42 mil toneladas de panetones foram vendidas na Itália, segundo dados do sindicato Unione Italiana Food.
Mas o sucesso dessa sobremesa ultrapassou as fronteiras do país e se transformou em uma tradição natalina em vários países da América do Sul, como Brasil, Argentina, Uruguai e Peru. Isto em boa parte graças aos milhões de emigrantes italianos que entre o final do século 19 e a primeira metade do século 20 atravessaram o Atlântico em busca de oportunidades na América do Sul.
Um deles foi Pietro D'Onofrio, um emigrante do sul da Itália que se estabeleceu no Peru, onde fundou a empresa de sorvetes que ainda leva seu nome.
Mas foi seu filho Antonio quem fez, nos anos 50, um acordo com a empresa Alemagna de Milão para a produção e venda do panetone no Peru com a marca D'Onofrio.
"Este ano, os peruanos vão consumir mais de 35 milhões de unidades", diz Ricardo Bassani, diretor do setor de confeitaria da Nestlé Peru, proprietária desde 1997 da marca D'Onofrio e de três outras empresas de panetone no país.
"Nós, os peruanos, somos os que mais comem esse pão. Nosso consumo anual é de 1,1 kg por pessoa, o que nos coloca como o segundo país de maior consumo, atrás apenas da Itália", acrescenta o executivo, que calcula em US$ 200 milhões (R$ 820 milhões) o valor de mercado do panetone no Peru.
Depois da Itália e do Peru, o país que consome mais panetone é o Brasil, com cerca de 440 gramas per capita por ano.
É também brasileira a empresa que produz mais panetones no mundo: a Bauducco.
Fundada em 1952 em São Paulo por outro emigrante italiano, Carlo Bauducco, a empresa possui mais de 6 mil funcionários no Brasil e nos EUA, capacidade produtiva de mais de 300 mil toneladas por ano e faturamento de mais de US$ 700 milhões (R$ 2,9 bilhões).
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