Felipe Souza
Policiais militares, guardas civis e fiscais da prefeitura cercam um homem de avental branco que carregava uma caixa de isopor cheia de sucos e salgados em Montes Claros (MG). Os agentes anunciaram que o ambulante estava vendendo produtos sem autorização em uma praça no centro da cidade e que tudo seria apreendido.
Inconformadas com a situação, dezenas de pessoas se uniram para inibir a ação dos fiscais e policiais. O grupo passou a segui-los, insistindo para que não punissem o ambulante, aos gritos de "deixem ele trabalhar".
A cena foi registrada na tarde da última quarta-feira e viralizou nas redes sociais.
Ao ver que os fiscais estavam prestes a carregar toda a mercadoria, um homem de camiseta vermelha os ignora e estende a mão com uma nota de R$ 2. Ele diz que vai comprar uma garrafa de suco, sem se importar com a presença dos policiais.
A ação desencadeia uma reação em cadeia nas pessoas ao redor, que também passaram a tirar notas do bolso e entregar para o ambulante. Chorando, Leonardo Ferreira Soares, de 44 anos, juntava as notas amassadas em suas mãos e, em poucos minutos, todo o material que seria apreendido foi distribuído entre as pessoas.
"Juntou umas 30 pessoas em volta de mim. Algumas só queriam me ajudar. Teve gente que me deu nota de R$ 10 e nem pegou nada. Eu fiquei chorando de emoção e também passei a distribuir os sucos e salgados para quem não tinha me dado nada", disse Soares em entrevista à BBC Brasil.
Um dos vídeos publicados no Facebook sobre o caso já foi compartilhado mais de 125 mil vezes e visto mais de 3 milhões. Uma das imagens que circulam na internet foi feita pela atendente Andreia Aparecida Santos quando voltava do trabalho.
"Sempre vejo ele ali com suas vendas. Foi muito triste e revoltante ver uma coisa dessas. Eu só não comprei nada porque estava sem dinheiro, senão teria ajudado também", disse à BBC Brasil.
Durante a ação, os guardas municipais tentaram levar não só a caixa de isopor e bandejas cheias de salgados fritos, mas também o carrinho de ferro que o vendedor usa para transportar os produtos. Com uma das pernas quebrada em dois lugares (tíbia e tornozelo), o ambulante diz caminhar uma hora de sua casa até a praça todos os dias.
"O que fizeram comigo foi desumano. Parecia que eu era um ladrão. Eu fiquei só chorando. Eu não ia brigar com eles, não sou de briga. O que mais me incomoda é que para tirar o lixo da praça, não aparece ninguém, mas para tirar um trabalhador veio uma multidão", disse Soares.
Procurada, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Montes Claros informou por telefone que a operação foi legítima, com a intenção de coibir a venda "desenfreada de produtos irregulares". "A ação foi feita em conjunto com a Polícia Militar, Receita Federal e Estadual. Não teve nada de irregular", disse um assessor.
A reportagem perguntou por e-mail à prefeitura qual a frequência e quantidade de produtos apreendidos na região, mas não recebeu nenhuma resposta.
Soares conta que vende os produtos há quatro anos no mesmo ponto e que esta foi a primeira vez que tentaram levar as mercadorias.
"Todo dia acordo cedo para fritar tudo e distribuir em padarias e pequenos comércios. Por volta das 13h, eu saio de casa com o carrinho lotado. Ando uma hora e meia com pelo menos 60 kg para economizar a passagem de ônibus e eles querem tomar tudo. Por que tratam um trabalhador assim?", disse o vendedor ambulante.
Sem gás de cozinha e dívida de R$ 20 mil
Desempregado há quatro anos, Leonardo Soares diz que o trabalho como ambulante foi a única alternativa que encontrou para conseguir sustentar ele e a esposa e pagar o aluguel de R$ 350 da casa onde vivem.
Ele disse que sua intenção era conseguir pelo menos R$ 100 para comprar o gás de cozinha para sua casa, que tinha acabado.
"Eu trabalhava como vendedor na zona sul de São Paulo e me mudei para cá depois que me desentendi com meu irmão. Até tentei montar uma lanchonete em Montes Claros, mas não deu certo e ainda fiquei com uma dívida de quase R$ 20 mil, que não consegui pagar até hoje", conta ele.
Soares conta que vende sucos de acerola, laranja, umbu e siriguela, além de pastéis e bolinhos de mandioca recheados de carne, frango e bacalhau. Na casa dele, porém, não é sempre que tem carne.
"Eu já comi arroz puro porque não tinha mais nada. Numa situação dessas e ainda queriam apreender até meu carrinho, meu instrumento de trabalho. Minha vontade era apenas trabalhar para poder ter água e luz na minha casa. Se eu tivesse um emprego registrado, seria muito melhor do que ter de passar por isso", afirmou.
Soares conta que até mesmo o ex-prefeito comprava seus sucos, comprava e ainda distribuia. Mas afirma que as ameaças dos fiscais municipais são constantes.
"Eles sempre dizem que vão pegar minhas mercadorias. Esse é um dos motivos que me fazem pensar se eu volto a trabalhar. Hoje, eu sentei na cama e fiquei chorando porque não sei o que fazer. Tenho medo de voltar lá e passar esse constrangimento de novo", diz Soares.
"Eu não trabalho como ambulante por opção. Eu trabalho porque não tenho o que fazer. Com certeza, trocaria por qualquer outro emprego".
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