Para o parlamentar, a violência atribuída, em alguns casos, à atividade policial, é reflexo da falta de formação periódica, bem como da situação e do estado do policial durante determinadas abordagens
FONTE:DN/POLÍTICA
O cenário de insatisfação da categoria policial, exposto na greve da Polícia Militar que ocorreu no Espírito Santo em fevereiro último, ocupa espaço entre as prioridades dos parlamentares que compõem a “bancada da bala” na Câmara Federal, assim como a crise penitenciária que eclodiu em presídios no mês de janeiro. Membro da Frente Parlamentar da Segurança Pública, o deputado federal cearense Cabo Sabino (PR) avalia que, em meio a condições adversas de trabalho e perda de credibilidade, falta vontade política a gestores para fortalecer as corporações. Ele admite, ainda, que a polícia brasileira, tida como uma das mais violentas do mundo por organizações internacionais, carece de formação continuada.
“A valorização do profissional em todo o Brasil está muito aquém (do ideal). Primeiro, porque as legislações são específicas aos estados, então cada estado trata isso de maneira individualizada, como quer. Por isso essa diferença salarial, de carga horária, diferença das estruturas da carreira policial. Nós temos 27 polícias militares no Brasil, cada uma com suas peculiaridades, com suas estruturas, que vão desde a pauta de equipamentos de proteção individual até a questão salarial”, aponta.
Ele ressalta que há, na Câmara, “vários projetos” em tramitação que “tentam amenizar essa pauta da valorização”. “Há a PEC 300, que falta ser votada em segundo turno, que trata pelo menos de um piso igual para os policiais em todo o Brasil. Existem projetos tramitando que tratam da questão de atenção profissional, de equipamentos obrigatórios”, cita.
Assim, a bancada ligada à Segurança Pública, segundo o cearense, tem tentado garantir a aprovação de propostas com tal objetivo, mas a intenção, em alguns casos, esbarra no vício de iniciativa, por dizerem respeito a pautas que cabem aos Executivos e Legislativos estaduais. Algumas discussões, portanto, ficam travadas na Câmara.
“Não é fácil, porque uma grande maioria dessas matérias é direta do Executivo, não do Legislativo estadual. Tudo aquilo que onera ao Estado não compete aos legisladores estaduais, e sim ao chefe do Executivo. As leis que regulamentam a profissão também são de iniciativa do chefe do Executivo, então é muito mais uma questão de vontade política do gestor”, considera.
No estatuto da Frente Parlamentar da Segurança Pública, assinado por 240 deputados federais, consta, dentre os objetivos, “fomentar, junto às Assembleias Legislativas dos estados e Distrito Federal, a elaboração de propostas de leis, visando o resgate da autoridade policial civil e militar e bombeiro militar”. Tal resgate, reflete Cabo Sabino, refere-se às condições de trabalho e também à qualidade do serviço prestado pela polícia. “Essa crise de credibilidade existe quando eu não efetuo um bom serviço, quando eu acabo não sendo resolutivo a algumas demandas, respondendo a investigações policiais”, opina.
Ceará aprova equiparação salarial
Ele afirma, porém, que a Frente Parlamentar tenta manter olhar atento às necessidades dos policiais em vários estados, considerando, inclusive, diferenças remuneratórias. No caso do Ceará, por exemplo, Cabo Sabino diz que, na condição de deputado federal, acompanhou os debates acerca do aumento do soldo de policiais e bombeiros militares, cuja proposta sancionada pelo Governo do Estado busca equipará-lo à média salarial da Região Nordeste. O texto para ele, “tem pontos positivos e negativos”.
“Entendo o esforço muito forte do Governo do Estado em trazer uma reformulação dos salários da Polícia Militar e dos bombeiros, mas apenas quando passa do posto de primeiro-sargento para cima traz um ganho real”, sustenta. Segundo o cearense, outros cargos, como soldados, cabos e segundos-sargentos, não terão ganho real.
Outro gargalo na polícia, de acordo com Cabo Sabino, está na falta de formação continuada dos profissionais. Ele destaca que a Secretaria Nacional de Segurança Pública instituiu um currículo nacional para a formação de policiais e que o recebimento de recursos federais pelas secretarias estaduais está condicionado ao cumprimento do currículo, mas atesta que, após adentrar na polícia, falta continuidade na formação. “O grande gargalo está na formação continuada desses homens que são formados, mas passam décadas sem receber formação continuada”, afirma.
Para o parlamentar, a violência atribuída, em alguns casos, à atividade policial, é reflexo da falta de formação periódica, bem como da situação e do estado do policial durante determinadas abordagens. Ele reclama, por exemplo, da falta de apoio psicológico aos profissionais. “São raros os estados, creio que apenas Santa Catarina e São Paulo, que passam hoje pelo processo de desvitimização do policial”, relata. Nas outras polícias, observa Cabo Sabino, em um dia o policial passa por situação traumática no exercício da profissão e, no outro, já volta ao trabalho, sem apoio psicológico.
Tudo isso é sentido pela população. No Anuário Brasileiro da Segurança Pública 2016, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pesquisa aponta que a polícia brasileira é eficiente, porém violenta, uma vez que 50% dos brasileiros admitem que a Polícia Militar é eficiente para garantir a segurança da população, mas 59% têm medo de ser vítima de violência de policiais. Em 2015, de acordo com a mesma publicação, 358 policiais foram vítimas de homicídio no Brasil, dentre os quais 91 estavam em serviço e 267, fora de serviço. No mesmo ano, contudo, o FBSP contabilizou 3.320 vítimas de intervenções policiais.
Sistema penitenciário é outra preocupação da 'bancada da bala"
Em âmbito nacional, outra preocupação estendida à Frente Parlamentar da Segurança Pública, na avaliação de Cabo Sabino, diz respeito ao sistema penitenciário brasileiro. Defensor do argumento de que apenas a construção de mais unidades prisionais não é capaz de dizimar o caos exposto em recentes rebeliões espalhadas pelo País, ele informa que, em diálogo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ficou acertado que o plenário deve ter “uma semana ou duas de pauta com propostas que já tramitam na Casa de reformulação do sistema penitenciário brasileiro”. As proposições, detalha o parlamentar, compreendem o “endurecimento” de algumas leis, a construção de penitenciárias em novo formato, que garanta qualificação profissional e trabalho aos detentos, e até a possibilidade de o próprio preso “custear” a manutenção na prisão, a partir do trabalho.
Cabo Sabino diz que “a lei vai trabalhar nesse sentido”, enquanto ao governo federal caberá garantir aporte financeiro. Foi demanda da “bancada da bala” em janeiro, inclusive, a criação de um Ministério da Segurança Pública. A pasta não foi criada, mas as atribuições demandadas foram acumuladas pelo Ministério da Justiça, que tornou-se Ministério da Justiça da Segurança Pública. O deputado federal do PR pondera que ainda não é possível avaliar algum impacto já sinalizado pela pasta no setor, dada a recente troca de ministros, mas cobra recursos para que o Ministério “possa trabalhar”. “Só o nome não muda situação, não”, crava.
Por isso, a falta de dotação orçamentária destinada exclusivamente à Segurança Pública é, também, uma das reivindicações da Frente Parlamentar para 2017. “Nós temos algo em torno de 1% da receita corrente líquida que vai para a Segurança Pública, enquanto para Saúde e Educação existe, além de uma dotação orçamentária, (o fato de que entre) todas as emendas parlamentares, 50% é obrigado a ser destinado à Saúde. Existe uma falta de financiamento da Segurança Pública”.
O grupo de parlamentares do qual faz parte, por sua vez, ele chama de “bancada da vida”. “Se fosse bancada da bala, é melhor ser bancada da bala do que bancada da mala. Quem trabalha com Segurança Pública não tem nenhum envolvimento com Operação Lava-Jato ou nenhum escândalo”, atesta.
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