Débora Brito - Repórter da Agência Brasil
Em novembro de 1956, um capítulo importante da História do Brasil se iniciava no Planalto Central. Antes mesmo de ganhar forma, Brasília recebia sua primeira sede de governo: o Catetinho. Um espaço singular, rodeado por uma área de preservação ambiental do cerrado, o Catetinho completou 60 anos no dia 10 de novembro.
Conhecido como Palácio de Tábuas, devido a estrutura de madeira, o Catetinho foi a primeira sede oficial utilizada pelo então presidente Juscelino Kubitschek de 1956 a 1959. O local também serviu de ponto de apoio para os pioneiros que trabalhavam na construção da nova capital federal, inaugurada em abril de 1960.
O nome catetinho foi dado pelo famoso violonista e seresteiro Dilermando Reis e se refere ao Palácio do Catete, situado no Rio de Janeiro, sede do governo federal desde o século 19. Depois da posse de Juscelino Kubitshek como presidente, o Senado Federal aprovou, em setembro de 1956, a mudança da capital para o interior do Brasil, proposta apresentada pelo próprio JK.
Surgiu, então, a necessidade de construção de um abrigo para o presidente e sua equipe no planalto central. Juscelino se instalou provisoriamente na chamada Fazenda do Gama até que um grupo de dez amigos, entre eles o arquiteto Oscar Niemeyer, reuniu-se às escondidas em um bar do Rio de Janeiro e teve a ideia de construir um local mais apropriado para as reuniões do presidente.
A construção da nova sede levou apenas 10 dias. O espaço simples e funcional foi o primeiro projeto de Niemeyer para Brasília e hoje é a única edificação feita toda em madeira projetada pelo consagrado arquiteto. As madeiras e todo o restante do material escolhidos para a edificação vieram do interior de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. “O Catetinho não era só um barracão, ele tinha uma arquitetura muito especial que abrigava ideias modernistas. A arquitetura dele é muito peculiar, pois reproduz em madeira muitas ideias que mais tarde Oscar Niemeyer concretizou no plano piloto. Ele fez o pilotis num palácio de madeira", destaca Gustavo Pacheco, subsecretário de Patrimônio Cultural do Distrito Federal.
O cheiro da madeira, o silêncio, as fotos em preto e branco, os móveis e outros objetos preservados no local levam os visitantes a terem uma ideia do que era Brasília na época de sua origem. A simplicidade e a objetividade da arquitetura do palácio provisório anunciavam a ruptura com o estilo imperial da antiga sede e já davam o tom dos novos tempos na política. “O palácio foi arquitetado por Niemeyer, que é um dos maiores arquitetos do século 20. A madeira e as linhas retas traduzem os princípios da arquitetura moderna”, comenta Carlos Madson, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do DF.
Oficialmente, o catetinho era chamado de residência presidencial (RP1), contudo, Juscelino não chegou a morar no local. Apenas pernoitava quando era necessário acompanhar o andamento da construção da cidade. Ali, JK chegou a recebeu autoridades internacionais, como a Rainha Elizabeth II, da Inglaterra. Figuras marcantes das histórias brasiliense e brasileira também foram abrigadas no palácio, como Bernardo Sayão, engenheiro responsável pela construção de Brasília e que dá nome à rodovia conhecida como Belém-Brasília.
Quem conta toda essa história é Aurentino Costa. Sentado na mesa onde se costumava servir as refeições ao presidente e seus convidados, o chefe do núcleo do Museu do Catetinho se sente como se ele próprio tivesse vivido ali. Há cinco anos Aurentino não apenas chefia o museu, mas, quando pode, guia os visitantes por uma verdadeira viagem no tempo. Ele compartilha algumas fatos interessantes que ganharam vida entre as madeiras do palácio, durante os três anos da construção de Brasília. Um deles é a festa de inauguração do catetinho, quando tiraram garrafas de wisky enterradas da mata e usaram o granizo da chuva como gelo para a bebida.
Seresta
Aliás, mais do que uma sede para tratar de assuntos políticos e oficiais, o Catetinho também testemunhou muitas serestas e curiosidades. Juscelino não andava acompanhado apenas de técnicos e políticos, mas também de artistas e músicos ilustres. Foi lá que Tom Jobim e Vinícius de Moraes compuseram uma de suas bossas. A dupla foi convidada pelo presidente para escrever um hino de exaltação à capital que estava nascendo.
Aurentino conta que, durante a visita descontraída ao palácio, Tom e Vinícius conheceram a nascente de água situada nas imediações do palácio. Às margens da fonte, a dupla travou um diálogo inusitado e encontrou inspiração para mais uma composição: “É água de beber, camará (expressão popular da época que se referia à palavra camarada) É água pura? Pode beber, Camará? Pode. Isso aqui dá música”. Daí nasceram os principais versos da canção “Água de Beber”.
O fato rendeu à nascente o batismo com o nome de Tom Jobim e a fama que ainda atrai os turistas. Foi essa fonte que motivou a construção do Catetinho naquele lugar. Os pioneiros buscavam um local mais arejado para diminuir os efeitos causados pela vegetação fechada e pelo tempo quente e seco do cerrado e garantir o abastecimento de água para a nova sede. “O palácio é rodeado pelo cerrado de galeria, um lugar muito bonito, preservado, que resgata a consciência ambiental,” ressalta Gustavo Pacheco, subsecretário de Patrimônio Cultural do DF.
Até hoje, é a nascente que abastece o consumo do palácio. Uma das preocupações do chefe do núcleo do museu, é a diminuição do volume de água no local. “A fonte está secando. No período de seca, a água tem deixado de jorrar. E mesmo durante o período de chuva, a quantidade não é a mesma de antigamente”, alerta Aurentino.
Um patrimônio a ser desvendado
A relevância histórica fez com que palácio fosse rapidamente tombado. Ainda no dia da inauguração, em 10 e novembro de 1956, JK entregou o palácio aos cuidados da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN). Três anos depois, em julho de 1959, a construção foi definitivamente tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). E em 1970, foi transformado em museu.
O local passou por algumas reformas, a última delas em 2012, e ainda abriga parte do antigo mobiliário e objetos pessoais de JK, como livros, roupas e até uma muringa de água usada pelo então presidente. O violão do seresteiro Dilermando Reis que deu a ideia do nome do palácio, também está exposto no local. Com o tempo, muitos objetos foram retirados pelo Arquivo Público e há o desafio de manter a conservação da estrutura, principalmente da iluminação, que ainda é precária, e das tábuas de madeira, tão características da identidade do Catetinho. “O primeiro desafio é preservar a madeira. São desafios técnicos para mantê-la em bom estado e evitar enxames de insetos. Mas, já fizemos um trabalho grande de descupinização, explica Gustavo Pacheco.
Segundo a superintendência do Iphan no Distrito Federal, o Catetinho é um dos monumentos históricos em Brasília que mantém o melhor estado de conservação. Contudo, 60 anos depois de sua construção e mesmo já tombado, o Catetinho não tem um inventário nos termos exigidos pela legislação de proteção patrimonial, situação que deve mudar no próximo ano. “Acabamos de contratar por meio de licitação, um inventário total do catetinho, para tomar medidas mais efetivas de preservação. Dependemos de recursos financeiros e operacionais. O inventário completo só deve sair daqui a seis meses”, explica Carlos Madson, superintendente do Iphan em Brasília.
O documento fará um levantamento de tudo o que envolve a edificação, desde as medidas exatas da construção, até a definição mais precisa dos limites da área e a identificação da origem e valor das peças expostas, além de dados mais detalhados sobre a vegetação do entorno. “As informações levantadas servirão para definir políticas de proteção do local. Hoje tem a planta, a listagem dos equipamentos, mas o inventário vai além disso, é um estudo bem mais criterioso e aponta demandas. O inventário também é um instrumento de preservação, completa Madson.
Acesso
Apesar de estar localizado na beira de uma das principais rodovias que dá acesso à Brasília, a BR-040, o Catetinho ainda está distante do público. Excursões escolares de vários estados e turistas nacionais e estrangeiros compõem o perfil dos principais visitantes. Por ano, o museu recebe cerca de 23 mil pessoas, mas o número poderia ser bem maior.
Mudanças nas vias próximas ao museu e a falta de placas de sinalização e opções de transporte dificultam a localização do monumento. Os visitantes Rudimar Machado e Mara Dalila se perderam na primeira vez que tentaram visitar o palácio, mas não desistiram e voltaram ao monumento.”Viemos para conhecer mais história de Brasília, do presidente JK e da primeira residência oficial. Não vim antes justamente porque não conseguia achar, a sinalização não é boa.”, diz Rudimar Machado.
Mara Dalila também quer ampliar seu conhecimento sobre a história da capital. “Sou do Pará e já tem 20 anos que eu moro aqui em Brasília, mas nunca tive a oportunidade de conhecer a história daqui. Depois quero trazer os meus conterrâneos. Achei o museu aconchegante e o pessoal comunicativo”, afirma.
Como estratégia para ampliar a visitação, a Subsecretaria de Patrimônio Cultural do Distrito Federal está planejando para o próximo anos agendar ações culturais no espaço do Catetinho. "Queremos resgatar atividades como apresentações de peças teatrais e espetáculos de música, pois é um lugar muito agradável, no meio da natureza. A atmosfera do lugar é muito inspiradora. Queremos fazer com que ele seja percebido como um lugar aberto ao público, que todos podem e devem visitar", conclui Gustavo.
O Museu do Catetinho está aberto para visitação pública de terça a domingo, das 9h às 17h. A entrada é franca.
Edição: Valéria Aguiar
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